A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) recusou recurso no Tribunal de Ética e Disciplina e arquivou caso no qual o advogado Ives Gandra Martins é acusado de subsidiar atos golpistas das Forças Armadas.
A decisão, tomada em dezembro, foi tornada pública nesta segunda-feira (3).
A representação foi movida pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e pelo Movimento Nacional De Direitos Humanos (MNDH) após a Polícia Federal encontrar no celular de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), um roteiro de golpe e um questionário respondido por Ives Gandra.
O ato de ruptura encontraria fundamentação em interpretação do advogado sobre o artigo 142 da Constituição, difundida entre apoiadores do ex-presidente. Segundo ela, as Forças Armadas poderiam agir pontualmente como um Poder Moderador caso um dos três Poderes invadisse a competência de outro.
As entidades pediram a instauração de procedimento interno, argumentando que a defesa dos entendimentos contrariam o dever ético do advogado de respeitar o Estado democrático de Direito e os regramentos constitucionais básicos.
O advogado Carlos Nicodemos, que as representa, sustenta que houve violação ao Estatuto e ao Código de Ética da Advocacia, na medida em que “ele [Ives Gandra] subsidia a construção de um documento jurídico, assessorando o engendramento de um golpe”.
O Estatuto da Advocacia elenca como sanções disciplinares a censura, a suspensão, a exclusão e a multa, a depender da violação.
Ives Gandra já afirmou à Folha que nunca defendeu ideias que permitissem uma ruptura institucional. “A minha interpretação está claríssima, onde eu sempre disse que não poderia desconstituir Poderes. Claramente jamais numa Constituição democrática se admitiria a ruptura institucional.”
A 6ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética da OAB-SP arquivou o procedimento por entender que o advogado não cometeu infração. O colegiado considerou, nas palavras da relatora, Maria Isabel Stradiotto Sampaio, que não havia “mínimo apontamento objetivo da ocorrência de infração ética disciplinar”.
“Ao que tudo indica, o representado agiu em conformidade com as suas convicções jurídicas, expôs os motivos e fundamentos das conclusões de seu trabalho, do estudo próprio que realizou da Constituição, agindo, dessa forma, com a plenitude da liberdade de expressão que lhe é garantida”, disse ela.
“Um estudo jurídico, realizado a princípio sem uma conotação política própria, mas tendo como fundamento tão somente uma análise particular e a elaboração de um entendimento teórico sobre os aspectos, reflexos e implicações que podem surgir com a aplicação de determinado preceito normativo constitucional, não se traduz, por si, só, num discurso politizado, que possa configurar uma incitação à qualquer prática criminosa, tal como um ‘Golpe de Estado’.”
A ABI e o MNDH recorreram da decisão, argumentando caber ao advogado o discernimento de não produzir teses violadoras da Constituição e que a conexão entre a opinião jurídica de Ives Gandra com a tentativa de golpe ficou comprovada.
Mas a 8ª Câmara Recursal da OAB de São Paulo decidiu manter o julgado sem analisar o pedido, por considerar que ele foi apresentado fora do prazo. As entidades dizem que só tiveram acesso à decisão em um momento posterior ao considerado pelo colegiado e que, por isso, a contagem deveria partir daquele marco temporal.
“Entendemos que o sistema OAB deve dar uma resposta àquilo que foi apurado no âmbito das investigações da Polícia Federal. Existe um capítulo da tentativa de golpe de Estado que é a questão “jurídica”. Caso se confirme a atuação do advogado, estamos diante de uma violação ao Código de Ética da Advocacia. Logo, se impõe uma responsabilização”, diz a acusação em nota.
Rogério Gandra, que atuou na defesa de Ives Gandra, afirma que a interpretação sobre o artigo 142 da Constituição se limitou a uma “manifestação doutrinária” e “meramente intelectual” fora de qualquer contexto fático.
Diz ainda que o caso ser levado ao Tribunal de Ética causou espanto, porque “[o professor Ives Gandra] nunca defendeu qualquer tipo de conduta ou regime ou ato que violentasse qualquer dos direitos democráticos ou as próprias linhas mestras do Estado de Direito”.